Nossa Yotedi no solstício

Prof. Rodolfo Langhi (UFMS)
Você já reparou que a luz do Sol ilumina diferentes partes do seu quintal com o passar dos dias ao longo do ano, apesar de observar sempre no mesmo horário? Durante o inverno, por exemplo, ele não ilumina a mesma parte da casa no verão. Já pensou por que isto ocorre? E o que isto tem a ver com o clima e com o ambiente?
Se o Sol ilumina partes diferentes de sua casa no decorrer do ano, isto significa que ele percorre caminhos diferentes no céu diurno, variando sua posição de mês a mês. De fato, a posição do Sol ao longo de um ano muda tanto ao ponto de produzir diferenças na duração da noite e do dia e nos períodos de insolação. Você certamente já deve ter ouvido dizer que durante o verão temos noites mais curtas do que o inverno. Este fenômeno também causa diferentes climas na Terra, devido à alteração da maneira como os raios luminosos do Sol atingem o nosso planeta no decorrer de um ano. Faça a seguinte observação: durante o pôr-do-sol, verifique o local exato em que ele se esconde no horizonte oeste (por exemplo, usando um ponto de referência como um prédio ou uma montanha). Após um mês, faça a mesma observação. Notará que o Sol não se esconderá no mesmo ponto em que você marcou no mês anterior. Isto significa que ele alterou a sua rota diária de movimento no céu (é bom lembrar que este movimento realizado pelo Sol no céu ao longo de um dia é apenas “aparente”, pois é a Terra quem gira em torno de seu próprio eixo de rotação). Se você repetir esta observação ao longo de um ano completo, notará que o Sol se põe em diferentes pontos no horizonte oeste a cada dia (e também surge diariamente no horizonte leste em  a Terra quem gira em torno de seu pr Sol realiza no c do Sol atingem o nosso planetale estpontos diferentes). Então, como é que fica aquela história de que o Sol sempre nasce no Ponto Cardeal Leste e sempre se põe no Ponto Cardeal Oeste? Se você fizer este acompanhamento sugerido, verificará com seus próprios olhos que esta afirmação não é verdadeira. Realmente, o Sol não nasce sempre no Ponto Cardeal Leste e nem se põe sempre no Ponto Cardeal Oeste, pois isto só acontecerá em dois dias do ano: na data em que se inicia a primavera e na data em que se inicia o outono, chamadas de equinócios. A palavra "equinócio" significa basicamente "noites iguais", pois a duração da noite é praticamente igual à duração do dia, para estas duas datas do ano. Nos demais dias, o nascer do Sol e o pôr-do-sol não ocorrem exatamente no ponto cardeal respectivo. A cada dia que passa, o Sol muda sensivelmente sua posição ao longo do horizonte e a posição de sua trajetória aparente no céu. Isto vai prosseguindo até que o Sol alcança um ponto máximo. Deste modo, na data em que começa o verão, ele se põe em um ponto (na linha do horizonte) mais afastado possível à esquerda do Ponto Cardeal Oeste. E na data do início do inverno, ele se põe em um ponto mais afastado possível à direita do Ponto Cardeal Oeste. No dia seguinte à data em que o Sol atinge este ponto de maior afastamento, ele volta a se pôr nos mesmos pontos anteriores do horizonte e o ciclo todo se repete. É como se, nestas duas datas, ele parasse seu movimento de nascer (ou pôr) em pontos diferentes ao longo do ano, e começasse o seu retorno dia a dia. Por este motivo, as datas do início do verão e do inverno denominam-se de "solstício", significando "sol parado" ou "sol estático", batizado por povos bem antigos, antes da invenção dos telescópios. Alguns destes povos faziam grandes festas e sacrifícios por volta do solstício de inverno para invocar o “retorno” do deus-sol e o fim do frio. Atualmente, reconhece-se que esta variação da posição e trajetória aparente do Sol no céu, ao longo de um ano, ocorre porque a Terra gira em torno dele no espaço, proporcionando diferentes estações do ano e a visualização de diferentes regiões do universo e suas constelações. Por isso, no verão, a constelação de Órion (com as "Três Marias") é predominante no céu, enquanto no inverno, a constelação de Escorpião fica bem visível. No entanto, o curioso é que nesta vida moderna e com a correria do dia a dia, dificilmente paramos para observar estes ciclos da natureza e como estes fenômenos podem influenciar a nossa vida. Por exemplo, você sabia que o solstício de inverno ocorreu agora em 21 de junho?
O estudo destes fenômenos celestes enquadra-se na Astronomia, e normalmente os créditos pelo conhecimento desta ciência são dados aos gregos, babilônios, egípcios e árabes. Porém, muitos se esquecem de que os povos tão antigos quanto os índios brasileiros já eram profundos conhecedores destes movimentos aparentes dos astros. Observatórios indígenas foram encontrados em território nacional, e etnias estão sendo pesquisadas quanto ao seu conhecimento das constelações e estações do ano. Tais observatórios astronômicos a olho nu geralmente usavam um poste vertical e rochas no solo alinhadas com os pontos cardeais e as direções dos solstícios, o que lhes proporcionava a possibilidade de contar o tempo, prever as estações e identificar diferentes durações do dia e da noite. Assim, envolvendo vários aspectos da cultura dos índios brasileiros, a Astronomia influenciava sua organização social, condutas no cotidiano, planejamento de rituais, definição de códigos morais, ordenação de atividades anuais e cíclicas, como colheitas e plantações, avaliação das horas do dia e da noite, e orientação para viagens.
Infelizmente, esta cultura vem sendo perdida ao longo das gerações, mas há esforços regionais que tentam reverter este quadro. Por exemplo, em Dourados, é possível visitar uma réplica de um destes observatórios indígenas no campus da UEMS. Em Campo Grande, na Casa da Ciência da UFMS, encontra-se a coordenação nacional do Projeto Eratóstenes, que aborda educacionalmente estes movimentos aparentes do Sol. Este projeto conta com a parceria da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA) e da NASA, no programa Sun-Earth Day. Qualquer escola pode participar.
Portanto, convidamos você a conhecer melhor o universo em sua volta, começando por simplesmente olhar para o céu e tentar reconhecer seus ciclos, movimentos e astros. Que tal começar com a simples observação de nossa Yotedi, conforme sugerido aqui?
----
Yotedi - o Sol é apenas uma das estrelas do céu. Yotedi significa “estrela” para os índios Kadiwéu, descendentes dos Guaikurus, cuja maior reserva indígena encontra-se em Porto Murtinho em Mato Grosso do Sul. Assim, o Sol é a nossa Yotedi.
Casa da Ciência UFMS - www.casadaciencia.ufms.br
Projeto Eratóstenes - sites.google.com/site/projetoerato